Você decide fazer um jantar para dois casais: você e seu marido, Mariana e o marido dela. Ninguém desconfia de nada. Prepara o jantar com esmero e dispensa o auxílio da empregada, única coisa que despertou a estranheza do seu marido. No dia e hora que você marcou, Mariana chega com o marido dela. A noite parece iluminada, o encontro parece bem vindo. Só você não consegue ver as coisas por esse ângulo. Você evita prestar atenção em qualquer troca de olhares entre Mariana e seu marido. Sabe que isso pode despertar sua raiva e lhe roubar o senso, e você precisa estar lúcida para o que virá depois. O jantar está delicioso e todos elogiam. Pressa? Você não se dá a esse luxo. Paciência é tudo. Só depois da sobremesa, do conhaque, do licor e do café, somente quando todos vão para a sala de estar, só então você começa a falar tudo o que tinha para dizer. Você não previu isso, mas sua postura é segura e elegante. Imaginou que talvez lhe faltassem palavras ou que tremesse tanto que não conseguisse falar. Mas não. Você fala claro e bem. Tudo flui de modo tão sereno e ordenado que nenhum dos demais presentes se atreve a lhe interromper. Não há agressividade nas suas palavras. O contexto do que você descreve já contém em si mesmo as medidas exatas de perfídia, sordidez, dor e desilusão. Você não faz cobranças, não acusa, não ataca. Apenas descreve. Ninguém contesta ou reage. Eles não sabem o que fazer com a verdade. Você sabe. E quando vê que ninguém tem o que dizer ou fazer, você olha para o relógio, levanta-se, olha pela janela e vê que o taxi que você havia contratado já estava lhe aguardando. No meio daquele silêncio denso como petróleo, você pega sua bolsa e fica feliz ao lembrar de que tudo o que você tinha de valor já havia sido discretamente enviado à tarde para a casa dos seus pais. Então, sem olhar para trás, você vai embora daquele apartamento. E o motorista do taxi, um homem com seus sessenta anos e que já viu de tudo nesta vida, não se surpreende em conduzir aquela mulher que, mal acabou de fechar a porta do carro, começou a chorar como se nunca mais fosse parar.

FIM

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