Você se concentra no ritmo de sua respiração como recurso para manter a calma e o controle. Acha importante fazer isso antes de começar a falar. Seu marido está montando um sanduíche e nem percebe o que está acontecendo. Por alguma razão que você não entende de imediato, o dourado do anel de casamento na mão dele lhe chama a atenção. E enfim a ficha cai. Você lembra de quem era o telefone na mensagem. Era o número do celular de Mariana, sua madrinha de casamento, sua melhor amiga desde os tempos de colégio. Você se assusta com a lembrança. Seu marido percebe seu susto e comenta: "Nossa, que cara é essa?" Você responde, trêmula: "Eu li... a mensagem no telefone". Ele fica em silêncio por alguns instantes, como se medisse a extensão dos danos associados àquilo que acabou de ouvir. De repente ele desata a falar, fala sem parar, uma relação de todas as justificativas do mundo. Você não diz nada. Não vê motivo, não sente vontade. Além do que as palavras dele ocupam muito espaço. Espaço de memória, espaço de sonho, espaço de pensamento, o próprio espaço da sala. Parte de você está sufocada, mas outra parte se manifesta e lhe defende, fazendo com que você se levante da mesa. Você faz isso como um autômato. Nem pensa no que está fazendo. Algo em você sabe que você precisa de sossego nesse momento. Seu marido vai atrás, fazendo perguntas, tocando em seus cabelos, tentando lhe abraçar. Você continua sem reagir, atordoada, chapada, quase apática. Então Ricardo começa a dizer "perdão, meu amor". Depois beija seus lábios tensos, rígidos. Sua única reação é se desvencilhar dele e correr para seu quarto. Ricardo se desequilibra, tenta lhe seguir, mas não consegue impedir que você entre no quarto e se tranque lá dentro. Você se senta na cama e olha ao redor. Não consegue raciocinar. Mas o corpo pede: "deite-se". E você se deita. Sente vontade de abraçar um travesseiro. Pega o que está mais próximo e o abraça. Sente o cheiro de Ricardo impregnado na fronha do travesseiro. Ao invés de jogá-lo para longe, você o abraça forte e se encolhe em torno dele. Seus olhos marejam, sua boca treme e você começa a chorar. Muito. Por muito tempo. Do lado de fora, a voz de seu marido se mistura com as vozes das lembranças felizes de um passado que parecia estar morrendo maquela mesma noite.

FIM

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